FRASE DA SEMANA (mande a sua)

Na maioria das vezes somos causadores das nossas próprias desgraças!!! "Nogueira"

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Excesso de jornada e fadiga




Quando se trata de realização de trabalho extraordinário como agente agressor à saúde do empregado, a realidade é bastante diversa. A começar pelo próprio mapeamento de risco que identifique, como condição perigosa, a fadiga por ele propiciada, que reduz o desempenho e a atenção necessária à execução do trabalho.

Fadiga é a sensação de fraqueza, falta de energia e exaustão. É o efeito do esforço continuado, que provoca uma redução reversível da capacidade do organismo e uma degradação qualitativa desse trabalho, causada por um conjunto complexo de fatores, cujos efeitos são cumulativos.[19]

Significa cansaço ou esgotamento provocado por excesso de trabalho físico ou mental e consequentemente autointoxicação pela liberação de leucomaínas no cérebro, aumento de ácido láctico nos músculos e creatinina no sangue e diminuição da resistência nervosa conducente a acidentes.[20] Reduz a potência muscular, induz ao desconforto e dor e acredita-se que, em longo prazo, contribua para o desenvolvimento de distúrbios e lesões.

Destacam Rodrigo Filus e Maria Lúcia Okimoto, em estudos realizados na Universidade do Paraná, com apoio em Ribeiro e Lacaz, que, dentro de certo limite, o esforço físico leva o indivíduo a uma fadiga recuperável por meio do repouso. Contudo, quando esse estado de fadiga é ultrapassado frequentemente, irá acumulando um desgaste residual que o levará a uma fadiga crônica, que ocorre quando o indivíduo fatigado, desrespeitando os seus próprios limites, continua executando o seu labor normalmente ou até mantido na situação de laborar em regime de horas extras, agredindo seu corpo e aumentando o problema, que se tornará insuportável e poderá evoluir drasticamente.[21]

A avaliação da fadiga constitui importante debate na medicina do trabalho e, para tanto, são utilizados vários instrumentos qualitativos e quantitativos[22] com a finalidade de compreender o grau de desgaste no trabalho, como também medir a reação do organismo humano a diferentes sobrecargas, embora seja certo que não existe, hoje, nenhum método direto de avaliação quantitativa do estado de fadiga. Os métodos utilizados medem determinadas manifestações da fadiga, que só podem ser avaliadas como indicadores de sua ocorrência.[23]

É certo que não se pode determinar um padrão único de reação dos indivíduos diante da ação de um fator agressivo. A avaliação de cada um exige testes individualizados, onde os níveis das substâncias químicas presentes no organismo e que se manifestam diante da carga de trabalho seriam medidas e indicariam os respectivos limiares, o que não se encontra presente nos exames realizados quando da admissão do empregado.

Isso não impede, contudo, que sejam identificados no ambiente de trabalho fatores condicionantes do estado de fadiga física, entre os quais podem ser mencionados:[24]

a) esforço físico superior à capacidade muscular;

b) alteração do equilíbrio hidroeletrolítico, como a que ocorre em trabalhados em ambientes quentes;

c) duração e intensidade do trabalho; (grifos postos)

d) esgotamento das reservas de substâncias energéticas nos músculos, como ocorre quando o indivíduo vai executar um trabalho e não tem o aporte alimentar adequado para aquela atividade.

É exatamente no aspecto relacionado à duração e intensidade do trabalho que se quer destacar a importância de que a prestação de horas extraordinárias, como a própria denominação aponta, deve ser encarada como uma situação de anormalidade dentro da atividade empresarial, pois a adequada gestão pressupõe a necessária equivalência entre demanda de serviço e capacidade de atendimento.

Contudo, ao longo dos anos, o que deveria ser anormal tornou-se corriqueiro a tal ponto que todos aqueles que lidam com o problema — empregadores, empregados, advogados, magistrados, auditores fiscais do trabalho — encaram-no com naturalidade e não se dão conta que estão contribuindo para que esse estado progressivo de desgaste, ainda que não perceptível, se implemente e até mesmo de amplie.

Estudo realizado em Porto Alegre pelos médicos do trabalho Paulo Antônio Barros Oliveira e Jaqueline Cunha Campello para avaliar a carga de trabalho na atividade bancária e seu impacto sobre a saúde revelou que a jornada oscilou entre 8 e até quase 9 horas, para não comissionados, e entre 9 horas e 9 horas e 38 minutos para gerentes e chefes e o nível de adoecimento provocado pelo trabalho chegou a 30%.[25]

E por que deveria ser diferente? Porque a sobrecarga de trabalho é um das mais importantes causas de acidentes do trabalho em todo o mundo. Estudos realizados na Europa e nos Estados Unidos comprovam o aumento de acidentes com a elevação do número de horas de trabalho, chegando ao máximo por volta das onze horas da manhã e caindo por volta do meio-dia, com a mesma distribuição no período da tarde. Além disso, há casos de diminuição em 60% o número de acidentes quando se reduziu em determinada fábrica de doze para dez horas a jornada de trabalho, da mesma forma que variam com o índice de fadiga.[26]

Esses dados também deixam implícita a necessidade das pausas no curso da jornada, que propiciarão ao empregado o descanso necessário para que possa recuperar-se do desgaste acumulado provocado pela situação de fadiga do seu sistema muscular e psíquico decorrente do estresse ocupacional.

Ana Maria Rossi, citando Bateman, Strasser e Pelletier, afirma que o estresse é reconhecido com um dos riscos mais sérios ao bem-estar psicossocial do indivíduo e cerca de 50 a 80% de todas as doenças de fundo psicossomático ou estão a ele relacionadas.[27]

A mesma autora cita estudo que realizou envolvendo 900 profissionais (450 homens e 450 mulheres) escolhidos aleatoriamente em quatro organizações nacionais brasileiras com o objetivo de identificar os agentes estressores. Como resultado a sobrecarga de trabalho foi identificada em 74% dos homens e 94,3% das mulheres e os resultados foram compatíveis com a identificação dos dois principais fatores de riscos organizacionais para o burnout.[28]

A relação entre estresse ocupacional e doença foi reconhecida há mais de 300 anos por Bernardo Ramazzini. Por outro lado, a relação entre estresse e doença coronariana está, há muito, comprovada. Desde o final da década de 40 tem-se observado que pode causar, entre outras enfermidades, aterosclerose acelerada e oclusão coronariana associada a níveis elevados de colesterol, triglicerídeos e ácidos graxos livres e desde a década de 90 foi cientificamente comprovada por R. A. Karasek e S. J. Theorell a ligação clara entre estresse ocupacional e doença cardiovascular.[29]

É consequência de “relações complexas entre condições de trabalho, condições externas ao trabalho e características do trabalhador, nas quais a demanda do trabalho excede as habilidades do trabalhador para enfrentá-las”, dizem Jeanne Marie R. Stacciarini e Bartholomeu T. Trócoli, para quem o primeiro passo para a prevenção e o tratamento reside no entendimento das fontes de pressão organizacional.[30]

Aponta Maria José Giannella Cataldi[31] que o Brasil vem ocupando posição destacada entre os países onde o estresse ocupacional tem-se manifestado. Destaca pesquisa patrocinada pela ISMA - International Stress Management Association, realizada nos Estados Unidos, Alemanha, França, Brasil, Israel, Japão, China, Hong Kong e em Fiji cuja conclusão apontou que o Brasil ocupa o segundo lugar em número de trabalhadores acometidos pela “Síndrome de Burnout”. Entre os trabalhadores brasileiros, apurou-se que 70% são afetados pelo estresse ocupacional e 30% do total estão vitimados pela “Síndrome de Burnout”. No Japão estes números se elevam para cerca de 85%, para os trabalhadores identificados como estressados crônicos e 70% deles manifestam a “Síndrome de Burnout”.

Ainda segundo a mesma autora, a mesma pesquisa aponta nos Estados Unidos gastos pelas empresas da ordem de US$ 300 bilhões de dólares por ano, em razão das ausências por motivos de saúde e por indenizações pagas a profissionais que as acionam judicialmente pelos danos causados pelo stress profissional.

Estudo divulgado pela Organização Internacional do Trabalho no dia 24 de abril de 2009 revela que, anualmente, mais de 2 milhões de trabalhadores morrem por ano em virtude de acidentes do trabalho, que também ocasionam perda de 4% do PIB mundial relativos aos custos diretos e indiretos, paralisação no trabalho, indenizações aos trabalhadores afetados, interrupção do trabalho e despesas médicas.[32]

Enquanto na década de 20 do século passado a medicina conhecia cerca de 3 mil doenças diferentes, estima-se que a cada ano são descobertas entre 500 e 600 novas enfermidades, em virtude do aperfeiçoamento dos métodos de diagnóstico e, também, pela detecção de doenças que antes não existiam.[33]

No Brasil não é diferente. Apenas para exemplificar, segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, 77% dos acidentes com motociclistas, incluindo motoboys, ocorrem a caminho do trabalho ou na volta para casa e são atribuídos a dois fatores: pressa e cansaço;[34] os gastos da previdência social com benefícios acidentários saltou de R$ 9,38 bilhões, em 2006, para R$ 10,72 bilhões, em 2007, o que representa incremento da ordem de 9,2%; as Lesões por Esforço Repetitivo são responsáveis por 37,77% dos afastamentos acidentários e 65% das licenças médicas solicitadas por trabalhadores; os acidentes do trabalho causam 3 mil mortes por ano no Brasil, valendo salientar que esses dados não levam em consideração os trabalhadores do mercado informal e o índice de subnotificação chega a alcançar até 80% em determinadas atividades; os gastos anuais com acidentes do trabalho em 2008 alcançaram a espetacular cifra de R$ 25 bilhões no Brasil.

A análise dos primeiros dados estatísticos oriundos da alteração promovida no critério de caracterização do acidente do trabalho a partir da identificação do Nexo Técnico Epidemiológico – NTEP, divulgados em abril de 2008 pelo Ministério da Previdência e correspondentes a onze meses,[35] revelou um cenário trágico, coerente com a situação de guerra civil mencionada por Dorival Barreiros:[36]

a) as notificações de doenças do sistema osteomuscular, nas quais se incluem as Lesões por Esforço Repetitivo (LER), aumentaram 512,3%;

b) as doenças infecciosas e parasitárias aumentam 3.701%, seguidas pelas doenças do aparelho circulatório (1.406%);

c) as doenças ocupacionais, em geral, aumentaram 134%;

d) a média de notificações saltou de 30 mil para 144 mil por ano, o que revela o elevado índice de subnotificação;

e) a faixa etária mais exposta a acidentes foi de trabalhadores de até 19 anos e, em números absolutos, foi de 30 a 35 anos.

Essa realidade impõe uma tomada de atitude que imprima um ritmo decisivo em torno do combate implacável ao adoecimento provocado pelo trabalho, aqui incluído, em um conceito mais amplo, o próprio acidente típico. A implementação de políticas de gestão empresarial voltadas a assegurar, de modo efetivo, a concessão do descanso e minimizar as situações de ocorrência de sobrejornada deve ultrapassar os umbrais da empresa e ser vista como política de saúde pública. Além disso, a regra do art. 157, I, da CLT, impõe ao empregador o dever de cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, o que inclui, sem dúvida, preservar a saúde dos trabalhadores.

Precisa é a lição de Maurício Godinho Delgado quando identifica o excesso de trabalho como fator de redução dos riscos no trabalho e legitima as ações voltadas para garantir o efetivo gozo dos intervalos destinados ao descanso do empregado:

É importante enfatizar que o maior ou menor espaçamento da jornada (e duração semanal e mensal do labor) atua, diretamente, na deterioração ou melhoria das condições de trabalho na empresa, comprometendo ou aperfeiçoando uma estratégia de redução dos riscos e malefícios inerentes ao ambiente de prestação de serviços. Noutras palavras, a modulação da duração do trabalho é parte integrante de qualquer política de saúde pública, uma vez que influencia, exponencialmente, a eficácia das medidas de medicina e segurança do trabalho adotadas na empresa. Do mesmo modo que a ampliação da jornada (inclusive com a prestação de horas extras) acentua, drasticamente, as probabilidades de ocorrência de doenças profissionais ou acidentes do trabalho, sua redução diminui, de maneira significativa, tais probabilidades da denominada “infortunística do trabalho”.[37]

Além das pausas, outra estratégia voltada para a minimização dos riscos é a realização de variação e rodízios entre os postos de trabalho, como demonstra estudo realizado na Universidade Federal do Paraná,[38] sempre buscando-se preservar a saúde do trabalhador.

Não se pode esquecer que no rol dos direitos sociais elencados no caput do art. 6º, da Constituição Federal foi incluído o direito à saúde, conceituada pela Organização Mundial de Saúde como “estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”, o que é alvo de observação Daphnis Ferreira Souto, que destaca a tentativa de uma formulação positiva e a mudança de direção no enfoque dado, ao atribuir-lhe uma condição profundamente humana, embora o caracterize como utópico, por contemplar “[...] um ideal ambicioso, difícil de ser alcançado e medido”.[39]

Para o mesmo autor, saúde é resultante de uma relação equilibrada, dinâmica e harmônica entre condições biológicas e o meio físico e social, isto é, com o meio ambiente; é o resultado de um contínuo e bem-sucedido equilíbrio entre o indivíduo e o meio que o cerca,[40] o que pressupõe interação permanente com o meio ambiente do trabalho, que, para Júlio César de Sá da Rocha, constitui "[...] locus dinâmico, formado por todos os componentes que integram as relações de trabalho e que tomam uma forma no dia-a-dia laboral”, não se restringindo ao espaço interno da fábrica ou da empresa e, por isso mesmo, alcança o próprio local de morada e o ambiente urbano.

Representa todos os elementos, interrelações e condições que influenciam o trabalhador em sua saúde física e mental, comportamento e valores reunidos no locus do trabalho, sendo o ponto de partida para que se assegure a saúde no trabalho, que corresponde ao resultado da interação dos diversos elementos do ambiente (bens, maquinários, instalações e pessoas), provocando ou não o bem-estar no trabalho.[41]

Tudo isso inspirado nos princípios maiores de valorização do trabalho e da livre iniciativa, assim como o seu caráter social, elevados que foram ao patamar dos princípios políticos constitucionalmente conformadores[42] ou princípios constitucionais fundamentais,[43] que se caracterizam por explicitarem as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte, condensarem as opções políticas nucleares e refletirem a ideologia dominante da constituição.[44]

Tratou-se, portanto, de opção político-ideológica fincada pelo legislador constituinte de situar no nível mais elevado dos valores que abraçou a defesa do trabalho, certamente por lhe reconhecer a condição de elemento integrante da própria dignidade humana.

Por outro lado, os princípios fundamentais constituem a essência dos valores encampados pelo constituinte e cuja densidade é refletida nos demais preceitos e, por isso mesmo, caracterizam paradigma a ser observado a partir da interpretação de toda a Constituição. Não se restringem tão-somente à conformação do binômio trabalho x liberdade de iniciativa ou mesmo diretrizes exclusivas da ordem econômica.

Não se trata de conferir-se ao trabalho uma proteção meramente filantrópica ou de estabelecê-la no plano exclusivamente teórico. É cláusula principiológica que exprime potencialidade transformadora,[45] diante da importância de que desfruta no mundo contemporâneo pelo que representa para a própria economia, em virtude da riqueza e do crescimento econômico, como também pelo que significa como instrumento de inserção social e de afirmação do ser humano, condições imprescindíveis para que se possa atingir o ideal da dignidade humana.

É por meio do trabalho que o homem atinge a sua plenitude, realiza a sua própria existência, socializa-se, exercita todas as suas potencialidades (materiais, morais e espirituais). Pode-se, sem receio, afirmar que o valor social do trabalho representa a projeção do princípio da proteção à dignidade do homem na condição de ntrabalhador.[46]

Nas palavras de Juan Somavia, Diretor-Geral da OIT, todos "trabalho sem segurança é uma tragédia". "Muitos desses casos que atingem milhões de trabalhadores todos os anos permanecem desconhecidos da maioria, não ganham manchetes nos jornais. Muito poderia ser prevenido."

fonte: http://www.conjur.com.br/2009-out-20/jornada-excessiva-trabalho-provoca-acidentes-tira-dignidade

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